“Como se não bastasse” é um expressão que gosto e uso com frequência. Principalmente porque ela subentende uma exaustão: aconteceu uma coisa, depois outra, outra e, como se não bastasse, outra. É tipo o 7 a 1 - uma sucessão desesperadora de acontecimentos que, é verdade, também pode ser lida uma sucessão eletrizante de acontecimentos, a depender de quem conta. “E como se não bastasse, metemos mais um gol naquela seleção perdida! E como se não bastasse, na casa deles!”, diria um jogador alemão às gargalhadas antes de bater o copo de cerveja num brinde.
Entre tosses, pigarros e com a dicção de quem está na décima latinha de Skol, Joe Biden disse que a economia americana não está em recessão. Apesar da queda do PIB, do maior aumento da taxa de juros desde 1994 e a inflação ser a mais alta há 40 anos, está tudo bem. ESTÁ TUDO BEM, Biden teria gritado se tivesse forças para levantar a voz sem explodir em tosse. Vamos nos manter vigilantes, mas serenos. Os Estados Unidos estão desmanchando, mas ainda geram 400 mil empregos por mês.
Matéria recente do El País traz a análise de alguns estudiosos sobre o tema “segunda guerra civil nos Estados Unidos”. Teve um que especulou que o país pode entrar num cenário de violência de baixa intensidade, mas constante. Alguma coisa próxima do que aconteceu na Irlanda do Norte. Uma outra disse que a Califórnia pode querer se separar. A estado sozinho é uma das maiores economias do mundo, tem 39 milhões de habitantes, deu ao mundo Kate Perry e Kim Kardashian, mas tem apenas dois senadores, o mesmo número que o Wyoming, que tem a população de 580 mil habitantes, o tamanho de Londrina. Califórnia pode pensar, ué, o que eu tô fazendo aqui?
No verão Europeu os assuntos são os incêndios, o calor extremo, o fim da União Europeia ou a captura do bloco por um grupo que inclui uma extremista francesa, uma extremista italiana que acredita em mamadeira de piroca e um extremista húngaro que não recomenda a ‘mistura de raças’. Também faz parte da discussão do dia a dia a falta do gás russo que pode causar mortes por frio no inverno e a possibilidade da indústria alemã ser desligada, como se fosse uma cafeteira. O preço dos produtos sobe, o cinto aperta e países como Portugal já fazem fiu-fiu para extremistas que acreditam em mamadeira de piroca. A Guerra na Ucrânia foi parar na página cotidiano dos jornais e virou ensaio fotográfico na Vogue.
O Brasil, sempre atento ao último grito em matéria de tragédia, já tem uma inflação alta, aumento da taxa de juros, crise econômica, incêndios florestais e um líder extremista que inventou a mamadeira de piroca para chamar de seus. Agora aquece os motores para daqui a dois meses tentar passar por cima do que resta de democracia. Com o lucro dos bancos, aumento da desigualdade social, grupos paramilitares, desequilíbrio ambiental e extremistas religiosos, poderemos dar ao mundo uma provinha, um amuse-bouche, do século XXI.
Mais presentes entre nós do que Deus estão os vírus. A Varíola dos Macacos segurou a mão da Covid e disse ninguém solta a mão de ninguém. É tudo nossooo. A China, agarrada à política tão 2020 de Covid zero, amarga uma desaceleração do crescimento econômico que beira os 4%. Com um crescimento desse, Paulo Guedes estaria correndo pelado pela Faria Lima, mas para os padrões chineses é quase um alerta para o regime. A China comunista precisa de um mundo capitalista globalizado e vibrante para fazer negócios e nos engolir a todos com molho agridoce.
Na conferência sobre o tratado nuclear da ONU, o secretário-geral disse que a humanidade está a “um erro de cálculo da aniquilação nuclear”. Como se não bastasse este cenário que faria Dr. Strangelove fugir para um bunker, a líder da Câmara dos Deputados americana Nancy Pelosi achou por bem fustigar a China em uma visita a Taiwan. A última visita de um político americano desse calibre à região foi em 1997, quando o PIB da China não chegava a US$ 1 trilhão (hoje são US$ 13 tri) e as pessoas vestiam roupas que a geração Z hoje tenta imitar.
Maravilhoso!!!!