Quase dois anos se passaram desde o último texto publicado nesta página. Quando olho, entre uma sugada e outra na minha bombinha de asma, para os acontecimentos de agosto de 2022 a abril de 2024, a única conclusão que me ocorre é de que seguimos caçando uma confusão das grandes. E não vamos sossegar enquanto ela não acontecer. Como diz uma amiga, enquanto a Terra girar continuaremos tontos.
Os americanos andam obcecados com a idade de um presidente. Agora que apertamos os cintos outra vez para acompanhar o repeteco Biden x Trump, muita gente acha que, aos 81 anos, Joe Biden não teria condições físicas e mentais para seguir à frente da Casa Branca até os 85. Este receio acontece mesmo entre aqueles que apoiaram Biden em 2020. Segundo o New York Times no mês passado, “impressionantes 61% disseram achar que ele é ‘muito velho’ para ser um presidente eficiente”. Como alternativa, parte do eleitorado oferece Trump, 77 anos, e conhecido por ter uma dieta à base de hambúrguer e Coca diet.
Se a idade é algum atestado de capacidade para governar com eficiência, Biden tem uma mulher de 59 anos na fila para servir ao país, caso o pior lhe aconteça. No momento em que soube do resultado das eleições de 2020, Kamala Harris estava dando uma corridinha para espairecer. Um famoso vídeo em que ela cumprimenta o presidente recém-eleito ao telefone vestida com roupas de treino viralizou. Quatro anos depois, aparenta ter a mesma energia de vida. Mas os americanos não parecem entusiasmados com o fato de que Harris consegue pegar um papel no chão sem partir a lombar em três. O site 538 diz que a taxa de aprovação dela duas semanas atrás estava em 37,1%.
Em maio de 1961, Kennedy estava em Paris, a uma semana de se encontrar com o premiê da União Soviética Nikita Khrushchev. No esplendor dos 44 anos, Kennedy andava de muletas para aliviar a dor nas costas, que tinha piorado depois de plantar uma árvore em Ottawa. No livro “Berlim: 1961”, Frederick Kempe conta que a médica particular que acompanhou o presidente nessa viagem ainda cuidava de “transtornos adrenais crônicos, febre alta, níveis elevados de colesterol, insônia e problemas de estômago, cólon e próstata.”
Ela guardava registros dos remédios e injeções que ele tomava para tratar esta coleção de moléstias: “penicilina para infecções urinárias e abscessos, Tuinal para ajudá-lo a dormir, Transenite para controlar diarreia e perda de peso e mais uma série de substâncias, inclusive testosterona e fenobarbital”, o famoso Gardenal. Quem nunca?
Além de Janet Travell, a médica oficial, também viajou para Paris e Viena, onde Kennedy encontraria o líder soviético, o médico Max Jacobson, esse no sigilo. Conhecido como “dr. Bem-Estar”, apelido que pode ser tanto de um traficante de tarja preta, ou o título de um quadro do Mais Você, o médico dava um boost de vitalidade no presidente com a aplicação de “injeções que continham hormônios, células de órgãos de animais, esteroides, vitaminas, enzimas e - o mais importante - anfetaminas para combater cansaço e depressão”.
O autor ainda destaca as eventuais consequências desses remédios para a segurança nacional: “As substâncias que ele estava tomando podiam criar dependência, e seus possíveis efeitos colaterais incluíam hiperatividade, hipertensão, dificuldade de raciocinar e nervosismo. Entre uma dose e outra, o humor de Kennedy variava violentamente, passando da segurança extrema a crises de depressão.” E assim o jovem e bronzeado Kennedy se movimentava pelo mundo, como um bonecão do posto, portando uma maleta com os códigos capazes de promover o apocalipse.
Hoje o mundo tem alguns líderes jovens que toparam o abacaxi de governar seus países por patriotismo, ambição ou imprudência. Se são eficazes aos olhos de seu povo é outra questão. Justin Trudeau, que tem 52 anos anos, e parece ser o primeiro-ministro do Canadá desde os 13, acabou de sobreviver a um voto de desconfiança. Macron (46) está levando um sufoco para evitar o avanço da extrema-direita. Como reação, dobrou a aposta no colágeno e nomeou Gabriel Attal (34) como o mais jovem primeiro-ministro da história da França. Até o segundo semestre do ano passado, a popularidade do presidente chileno Gabriel Boric (38) não passava dos 30%. Também não está fácil ser um líder jovem em países democráticos.
A obsessão com a idade do Biden tem cheiro de conversa para boi dormir. Boa parte do eleitorado americano e europeu (para ficar nos países de democracias sólidas), irritada e impaciente por respostas rápidas para problemas complicados, ainda está seduzida ou indiferente às promessas do populismo autoritário de direita. A idade de quem vai executar essas promessas pouco importa. Depois de colocadas em prática, quem sobreviver limpa os escombros e reacende a luz.
He's back, Baby!! Texto maravilhoso, naturalmente. Passe para o inglês que mando para o NYT. Os americanos precisam ler isso...
Que ótimo te ver por aqui de novo. Seus textos são ótimos. Bjao