Em um dia o ministro da saúde espalhava vírus em Nova York e dava o dedo para uma população que carrega 600 mil mortos nas costas. No outro, essa mesma população pagava as diárias da quarentena dele em um hotel de luxo numa das cidades mais caras do planeta.
O Brasil se tornou o país em que a gente paga para nos matarem.
Bancamos o passeio de uma comitiva de machos brutos, semiletrados e orgulhosos da própria vulgaridade para o chefe deles mentir ao mundo que a culpa da inflação no país que ele não sabe gerir é de um lockdown que funcionou pelas metades.
No palco da ONU, Bolsonaro fez propaganda do tratamento precoce (que chamou de ‘tratamento inicial’) quase um ano e meio depois de estudos e mais estudos publicados em respeitadas revistas científicas demonstrarem que os remédios do tratamento precoce não só não são eficazes como podem causar problemas graves e matar os pacientes com o novo coronavírus.
No dia seguinte, no palco da CPI, o diretor do plano de saúde suspeito de transformar pacientes em cobaias humanas para experimentos com o ‘tratamento inicial’ do Bolsonaro admitiu que trocava o diagnóstico de doentes com Covid-19.
Depois de 14 dias do início dos sintomas ou 21 de internação, o código da doença do paciente era milagrosamente alterado. Se viesse a falecer, seria de outra coisa que não covid. Apesar de ser em decorrência da covid. Subnotificação. Fraude. Falsidade ideológica. You name it. O diretor da empresa entrou na CPI como testemunha e saiu como investigado.
Ontem o MP de São Paulo criou uma força-tarefa para investigar o que aparenta ser um rosário de lambanças criminosas.
Diversos clientes deste plano pagaram suas mensalidades para serem submetidos a um experimento do qual não tinham conhecimento. “Iremos iniciar o protocolo de Hidroxicloroquina + Azitromicina. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa”, dizia a mensagem do diretor do plano aos médicos.
Se você chamar qualquer alemão minimamente informado e perguntar a ele o que significa submeter seres humanos a experimentos médicos sem sua autorização expressa, ele muito provavelmente vai te dizer que se trata de uma prática nazista.
Nas denúncias feitas por médicos e ex-médicos do plano de saúde levantadas pela GloboNews, eles destacam a coação para prescrever medicamentos contraindicados para o tratamento da doença, instruções para que não usassem máscara para o vírus se espalhar alegremente e facilitar a condução de uma pesquisa macabra que estavam realizando e ordens para que fossem trabalhar mesmo diagnosticados com covid.
Como quem distribui doces de São Cosme e Damião, a empresa distribuiu o tal “kit covid” a pacientes assintomáticos, sem confirmação da doença e gripados. “Se o paciente tinha uma coriza você tinha que prescrever o kit. Bastava ter um único dia de evolução, algumas horas de evolução, paciente chegou, descreveu os sintomas, você tinha que entregar o kit.”
O assédio aos profissionais vinha na cobrança ostensiva para que receitassem o “kit covid” a torto e a direito. Se não seguissem as ordens eram chamados para uma conversinha. As mensagens divulgadas tinham o tom da motivação-coach “não podemos perder o foco, galera”. Em novembro, quando só populistas com sanha homicida ainda indicavam esses remédios a suas populações, um dos diretores do plano falava para os médicos voltarem a “fortalecer a indicação do tratamento precoce”.
Além do conjunto de remédios para malária, tratamento de piolho, sarna e câncer de próstata, que poderiam causar arritmia cardíaca e levaram pessoas à morte em casos fulminantes de hepatite e que continuam a ser receitados, as denúncias apontam para a aplicação de ozonioterapia, tratamento que o hospital não tinha autorização para realizar.
Não gosto de conjecturar o que diriam aqueles que não estão mais aqui, mas suspeito que diante dessas informações Hannah Arendt daria o selo de Banalidade do Mal.
As denúncias dizem (que surpresa!) que o governo federal bateu uma bolinha com o plano de saúde na distribuição dos kits. Experimentos médicos sem conhecimento e autorização dos pacientes, prescrição indiscriminada de remédios comprovadamente ineficazes, ocultação de mortes em ‘estudos’, alteração do diagnóstico dos doentes, omissão da causa da morte na certidão de óbito, envolvimento do governo federal no espetáculo sinistro.
Se essas denúncias não têm todos os ingredientes para um escândalo internacional, eu não sei o que teria.
Estamos pagando para nos matarem
Brasil sendo Brasil.
Um verdadeiro show de horrores 🙁