Millennials são aquele pessoal que nasceu mais ou menos entre 1981 e 1996, mas há quem estique essa faixa até o ano 2000. Nascido em 1988, faço parte dessa geração até os cabelos, e uma coisa curiosa desse grupo é que a gente nasceu com um pé no século XX e o outro no XXI. Rebentos dessa geração criaram, para o bem e para o mal, as principais plataformas de comunicação que usamos hoje. À exceção do Twitter, o Facebook foi criado por um cara de 34 anos, o Instagram por dois de 40 e 38, a ByteDance, desenvolvedora do TikTok, foi fundada por um sujeito de 41. Tutti millennial.
Mas essa turma também sabe o que é (e usou por algum tempo) uma ficha de orelhão, um telefone de disco, uma máquina de datilografar, e fechou as cortinas de um mundo sem internet. Criou o Tinder para organizar direitinho e todo mundo transar, mas conhece um tempo não muito distante em que o tesão era risco de vida e a orientação sexual chamada de opção. A gente se pinta de moderninho, mas ainda carrega um tanto de século XX nas costas. Uma geração que segura a cruz com uma das mãos e a espada com a outra.
Quando falei para meus pais, quase vinte anos atrás, que era gay, meu pai manifestou o medo de que eu ficasse sozinho na vida. Minha mãe manifestou o medo de não ter netos. Para o meu pai, respondi que existem três cenários: um relacionamento estável e duradouro, pular de galho em galho ou ficar sozinho. E que em nenhum deles a solidão é sentença ou carta fora do baralho. Para a minha mãe, respondi “cê jura?” A solidão não é uma possibilidade exclusiva dos homossexuais nem a procriação uma propriedade dos heterossexuais. Mas na sorte de não se transformar num caso de violência física, expulsão de casa ou rejeição imediata, o assunto girava mais ou menos nesses termos.
Agora na casa dos trinta, quarenta anos, além de criar as bugigangas de comunicação, os Millennials estão criando filmes e séries, e alguns estão refletindo sobre as pirações da própria geração. E aqui vou para o nicho sobre o qual tenho algum lugar de fala: gays brancos de trinta/quarenta anos vão ao divã. É o caso de Good Grief, filme do Dan Levy, criador de Schitt’s Creek, uma delícia de série que todo mundo devia assistir. O filme fala sobre o processo de luto de um ilustrador (Dan Levy) que carrega dois amigos para Paris, depois da morte repentina do marido (Luke Evans), porque na capital francesa está uma chave importante para compreender o passado recente do casal.
No filme, a reflexão sobre ser gay ou aceitação nem chega a ser um tema. No lugar entram questões sobre amizade, relacionamento aberto e a palavra da moda: cura. Mesmo que ainda seja um drama, já tem um deslocamento do tema. E nós aceitamos migalhas. Aliás, o marido do personagem principal, pasmem, não morre de AIDS. Até ontem, gays no cinema e na televisão só tinham autorização para padecer desta doença. Não tinham o direito de bater as botas num infarto indo comprar pão ou engasgados com um osso de galinha. Nesse filme, o personagem sequer morre de uma doença. É o criador dando um passo adiante. E o Daniel Levy é bom nisso. Fez uma coisa parecida com o universo de Schitt’s Creek. O filme estreou no início deste ano na Netflix.
Outro filme recente que fala de luto e tem um personagem principal gay branco é o All of Us Strangers. Baseado num livro japonês de 1987, é a história de um roteirista (Andrew Scott) às voltas com o passado enquanto começa um trelelê com o vizinho (Paul Mescal). A diferença do Good Grief é que nesse a aceitação, aprovação e estão na mesa. All of Us Strangers foi adaptado e produzido por Andrew Haigh, cria da geração imediatamente anterior aos Millennials, a Geração X. No livro, o personagem parece ter 47 anos anos. No filme, deve rondar esta faixa etária também. Pelo menos aqui em Portugal, já está disponível na Disney+.
Numa interessante coincidência, dois filmes, separados por pouco tempo de estreia um do outro, falam sobre o mesmo tema (luto, cura), com chaves diferentes (amizade, relacionamento aberto; aceitação, aprovação). Um produzido por um Millennial e outro por um GenX. Mas todos os assuntos abordados são reconhecíveis e próximos às duas gerações. Em uma cena de All of Us Strangers, a mãe do protagonista pergunta, ao saber que o filho é gay: “você quer se casar e ter filhos?” e logo depois fala “dizem que é uma vida muito solitária”. RÁ!
Bravíssimo! Fico tão feliz de você está de volta. Achei engraçado que a sua visão dos millennials é a que tenho da geração X. Interessante, né? Mas eu também sempre penso mais na invenção da “world wide web” como a grande mudança, não nas redes sociais… seguirei refletindo por aqui 😘😘
Muito bom!!!